Em entrevista concedida ao portal da Universidade Vale dos Sinos, sobre o atual momento trágico de nosso país e nossa resistência no campo da saúde mental, Pedro Gabriel Delgado analisa como os desmontes e ataques às políticas públicas de atenção social vão deixar marcas ainda mais profundas no Brasil pós-COVID-19.
Todos estão cansados; o medo, a dor e o luto são sentimentos presentes em uma sociedade sem ar. É por isso que especialistas dizem que os efeitos da Covid-19 vão muito além da desafiadora recuperação da doença, atingindo até mesmo quem não esteve doente ou não a contraiu de forma grave. São os efeitos psicológicos de uma pandemia que maculam todo o corpo social. No caso do Brasil, o recente histórico de desmonte de políticas públicas de atenção à saúde mental pode dificultar essa recuperação, fazendo com que as marcas dessa experiência sejam sentidas por anos. “Há uma indagação de fundo, inevitável. Qual será nosso futuro? Nosso país está diante de uma escolha como sociedade: ou a devastação, ou a solidariedade econômica e social”, aponta o psiquiatra Pedro Delgado, em entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU por e-mail.
Ele explica que o desmonte das políticas de atenção à saúde mental não é novo, começou com mais veemência no governo de Michel Temer e se acelerou agora, mesmo com a pandemia já em curso. Para o psiquiatra, é mais uma face do desmonte das ações de assistência social e saúde que temos vivido. “A política de restrição brutal do Estado de bem-estar, de desemprego estrutural e degradação da renda, como praticada pelo governo Bolsonaro-Guedes, com apoio do oligopólio de comunicação social, do setor financeiro e do sistema de justiça, está dirigindo o país para um cenário de miséria, violência e barbárie. A catástrofe da pandemia só vem acelerar tragicamente este itinerário”, detalha.
Pedro ainda destaca que “estamos diante de uma imensa catástrofe sanitária e social, que produz um sentimento de medo, insegurança e desamparo”, pois além das pessoas que sofrem as perdas de amigos e parentes, com a doença em si, com a perda das formas de sustento e desassistência estatal que repercute psicologicamente, ainda há problemas seríssimos na saúde mental de profissionais que estão na linha de frente do combate à pandemia. “Tenho conhecimento de dados preliminares de uma pesquisa nacional sobre adoecimento e morte de trabalhadores da área da saúde no Brasil que revelam uma tragédia ainda oculta, que é fruto da gravidade da pandemia, mas igualmente do descaso das autoridades sanitárias no contexto atual do nosso país”, aponta. E tudo em meio ao raquitismo de Centros de Apoios Psicossociais – Caps e outras portas de entrada para se restaurar a saúde mental.
No entanto, o médico diz que não se pode perder a esperança e que a resistência é o melhor caminho. E para isso traz a inspiração do coletivo de trabalhadores, usuários e familiares da saúde, a Frente Estamira de Caps, criada no estado do Rio de Janeiro. “É inevitável que as ações de defesa da saúde mental tenham que enfrentar dois inimigos poderosos: a pandemia e o desmantelamento da política de reforma psiquiátrica. Neste cenário tão inóspito, a resistência como estratégia e a invenção como método têm se revelado o caminho para fortalecer a solidariedade e a esperança”, resume.
Confira a íntegra da entrevista aqui.
